Da proibição das calças ao protagonismo na gestão: mulheres da extensão rural viveram de tudo no campo 08/03/2024 - 09:30
Entre os 1.400 colaboradores do IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar-Emater), 505 são mulheres. São veterinárias, agrônomas, administradoras, engenheiras de alimentos, bibliotecárias, zootecnistas, jornalistas, pesquisadoras, assistentes sociais, engenheiras florestais, secretárias, técnicas agrícolas, economistas domésticas, técnicas de contabilidade e de segurança no trabalho e especialistas em Ciência e Tecnologia que atuam diariamente na empresa. Inclusive nos cargos de diretoria, como no caso da diretora de Pesquisa, Vania Moda Cirino e a diretora de Gestão Institucional Solange Maria da Rosa Coelho. Mas nem sempre foi assim.
O serviço de extensão rural e assistência técnica paranaense foi criado em 1956, com o objetivo de melhorar a produtividade da agricultura do estado. Primeiramente o trabalho foi desenvolvido por uma ONG, a ACARPA (Associação de Crédito e Assistência Rural) até que em 1977 o governo do estado encamparia a assistência aos produtores. O conhecimento agronômico foi o norte do serviço de extensão rural. Apesar de haver mulheres atuando no campo, elas eram minoria e se concentravam na área de assistência e bem-estar social.
Barreiras - Rose Pontes entrou, na então Acarpa, em 1971 para trabalhar na região de Cascavel. Teve que vencer diversas barreiras. As mulheres não podiam usar calça comprida ou dirigir. Não podiam se casar. Não sei qual era a justificativa. Acho que eles acreditavam que o casamento ou uma gravidez poderiam atrapalhar o trabalho”, relembra. A ex-extensionista disse que na época da Acarpa muitas vezes a profissional era levada a pedir demissão ao se casar ou engravidar.
Formada em Geografia, ela passou a atuar com a educação de adultos “Outra dificuldade que tive foi em me adaptar ao trabalho num órgão público, já que eu vinha da iniciativa privada. Além disso, houve uma reserva do pessoal porque as extensionistas que trabalhavam na região eram todas brancas, e eu tinha a pele mais escura. Também tinha algumas restrições”, completa.
Rose foi enfrentando as proibições. Começou a ir para o campo de calça comprida, alegando que havia muito mosquito nas propriedades. Depois juntou seu conhecimento de metodologia de ensino adquirido nas práticas em empresas privadas com o método da extensão para repassar informações sobre alimentação, saneamento e organização comunitária à população rural. Não demorou para que Rose fosse convidada para participar de treinamentos de lideranças e em 1973 foi transferida para o escritório regional de Campo Mourão, onde passou a coordenar o programa de Bem-Estar Social. “Nessa época as mulheres já começaram a ganhar algum espaço. Tinha as extensionistas que dirigiam ou aquelas que resolveram se casar, apesar da desaprovação da empresa. Fomos nos fazendo de surdas às pressões para pedir demissão”, conta.
Hierarquia - Segundo Rose, essa era a mentalidade da época. “Havia a ideia de que só o homem produzia e a mulher era coadjuvante, tanto na propriedade rural como no serviço de extensão. Na década de 90 as mulheres passaram a ter o direito de emitir a Nota do Produtor, sem precisar usar o nome do marido no documento.
Além do preconceito de gênero da época, as extensionistas tinham que conviver com uma estrutura hierárquica inflexível. “Não havia um reconhecimento do profissional de nível médio e o agrônomo tinha que ser chamado de doutor. Eles diziam que com esse tratamento seriam mais respeitados pelos agricultores. Eles não acreditavam que as profissionais mulheres poderiam ser figuras centrais na Extensão Rural”, avalia.
Nesse ambiente, Rose construiu sua carreira. O destino natural foi assumir um posto, na Unidade Estadual, para executar treinamentos de reciclagem de outros extensionistas. Neste ínterim, fez mestrado em Educação para Adultos e logo foi para a área de Desenvolvimento de Pessoas (RH) e passou a dar cursos de formação em diversas empresas de Extensão Rural do país. Rose atuou no programa estadual de assistência aos produtores de baixa renda e depois de dez anos foi para Toledo onde prestou assessoria para a formação das comissões municipais de desenvolvimento, ficando até 2000, quando decidiu se aposentar.
Igualdade - Hoje, ela reflete que foi preciso “matar um leão por dia” para conseguir espaço e superar os preconceitos contra as mulheres. No entanto, ela faz questão de lembrar que também conseguiu o apoio de diretores e colegas de trabalho que acreditam em sua capacidade. “A Extensão Rural sempre foi muito conservadora. As mulheres ganhavam menos que os homens, porque diziam que nós não precisávamos ganhar bem. Em 1975 fizemos um primeiro plano de carreira, criando um perfil do extensionista e uma política de promoções que valia para homens e mulheres. Até então, não era dada oportunidade para os profissionais de nível médio. E tudo mudou quando a empresa começou a admitir extensionistas mulheres de nível superior. Gradativamente elas começaram a assumir chefias de escritórios e diminuir as desigualdades de gênero’, observou.
Novos tempos - Solange Coelho é agrônoma do IDR-Paraná desde 1991. Já atuou na assistência direta a produtores, na região Noroeste, e há dois anos responde pela diretoria de Gestão Institucional do Instituto. Para ela, as mulheres que vieram antes foram pioneiras, não só na empresa como também no trabalho no meio rural. “Acredito que a presença e convivência com mulheres foram quebrando as barreiras, mudando aos poucos a cultura da empresa”, diz. Ao ser admitida no serviço de extensão, Solange já era casada e tinha dois filhos e teve que combinar seu trabalho e as obrigações familiares.
Em 2003 o marido veio para Curitiba e Solange o acompanhou, assumindo a função de assessora da Fetaep (Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná), por meio de um convênio firmado com o então Instituto Emater. Em 2005 assumiu a coordenação da Associação de Funcionários e passou a entrar em contato com questões administrativas. Depois seria convidada para assumir a coordenação administrativa do CPRA (Centro Paranaense de Referência em Agroecologia), pois além da experiência administrativa, Solange tinha especialização em agricultura biodinâmica e orgânica. “Com a autarquização da Emater, em 2005, tive que aprender como funcionava a nova estrutura, a gestão administrativa, financeira, orçamentária e de recursos humanos, para estabelecer o processo de construção do Centro”, lembra a diretora. Solange ainda passaria pela gerência administrativa do IDR-Paraná, antes de assumir, em 2022, a atual diretoria.
Desafio - “O IDR sempre valorizou sua atividade-fim, a assistência técnica, e seus profissionais. Como eu era agrônoma tive essa vantagem. Foi mais fácil para mim. Nesse tempo não enfrentei situações de preconceito. Talvez em algumas oportunidades houve o favorecimento de profissionais homens por causa do companheirismo masculino. Mas a presença de mais mulheres na instituição aos poucos foi mudando essa perspectiva”, ressalta. Para Solange, mesmo no meio rural os agricultores viam com desconfiança a figura de uma mulher exercendo o papel de profissional de Agronomia ou Veterinária. “Mas a partir do momento que a gente conquista a confiança deles, a barreira deixa de existir”, ressalta a diretora. Para Solange a grande diferença entre homens e mulheres é a postura. “A auto estima masculina quase sempre é muito alta. Mesmo que o homem não tenha a formação necessária para assumir uma função ele corre o risco. O que não acontece frequentemente com as mulheres. Mas eu diria para as mulheres que elas sejam mais audaciosas e confiantes. Todas têm muitas competências importantes na gestão. Aceitem os desafios de assumir funções de chefia. É isso que vai fazer a diferença na instituição”, conclui.
Texto: Roberto Monteiro - Jornalista