Mudanças climáticas e agricultura: o que a agroecologia pode nos ensinar 17/03/2025 - 10:06

Criado para refletir sobre o aquecimento global e suas consequências, o Dia Nacional da Conscientização sobre Mudanças Climáticas, celebrado em 16 de março, também busca ações para enfrentar este cenário. Os efeitos podem ser sentidos com eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, tempestades e ondas de calor, cada vez mais frequentes. No Paraná, um estado de forte produção agropecuária, a irregularidade das chuvas e o aumento das temperaturas afetam diretamente culturas como soja, milho, trigo, feijão, hortaliças e frutas, além da criação de animais (como frangos que necessitam de maior ventilação nos galpões). As mudanças favorecem a proliferação de pragas e doenças, elevam os custos de produção e reduzem a produtividade.

Os impactos são sentidos pela agricultora Ana Maria Cardoso de Oliveira, que mora com a família no quilombo Remanescente, em Adrianópolis, onde cultivam uma diversidade de alimentos, como feijão, mandioca, milho, verduras, laranja, limão, banana e pupunha. "Essa está sendo uma causa brava, porque uma hora chove demais, outra hora chove de menos, e o calor está insuportável. Já estamos na fase do plantio de verduras e eu já tive perdas. Então, a gente tem sofrido bastante com essas mudanças de clima", explica.

A percepção da agricultora é corroborada pelo estudo "Será que vai chover?", desenvolvido pelo Observatório do Clima em parceria com a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), que aponta a agricultura familiar como uma das mais vulneráveis à crise climática. No entanto, o estudo também revela que práticas sustentáveis, como aquelas promovidas pela agroecologia, são fundamentais para mitigar esses impactos e fortalecer a resiliência das lavouras.

Ana e um grupo de mulheres do quilombo fazem parte de uma Organização de Controle Social (OCS) e recebem assistência técnica através do Programa Paraná Mais Orgânico para a transição agroecológica. "Com o pessoal da OCS, a gente vem desenvolvendo esses conhecimentos de como cuidar da terra, das plantas, fazer biofertilizantes. Eu acho que a nossa parte de agricultura orgânica é essencial para proteger a natureza, porque não estamos apenas plantando, estamos cultivando o que vai nos alimentar e estamos sempre protegendo", comenta.

Embora os agricultores sempre tenham lidado com condições climáticas adversas, os efeitos atuais são mais intensos. A agricultora Celina Ferreira Ribeiro, do quilombo Porto Velho, também em Adrianópolis, percebe a diferença. "Nós moramos à beira do rio e sempre teve chuva e desmoronamento. Mas o clima quente mudou, não tem como dizer que não. Você não colhe mais igual como colhia antes, o sol está castigando a produção da lavoura, e até ter uma horta fica difícil sem uma estufa", conta.

O calor excessivo mudou até a rotina de trabalho das famílias agricultoras. "Tem dia que a gente sai pra lida às 6h30 e volta às 9h, porque não aguenta o calorão. Se tiver um problema de saúde, a pessoa não aguenta", explica.

Ao longo dos anos, Celina buscou conhecimentos na Estação de Pesquisa em Agroecologia do IDR-Paraná. "Nós viemos aqui várias vezes, em grupo de mulheres. Trabalhamos com plantas, aprendemos como mexer com a terra, fazer biofertilizante supermagro, produzir mudas e utilizar cobertura do solo. Espero que ninguém desanime e que possamos continuar aprendendo, produzindo e vendendo alimento sadio", declara.

O engenheiro agrônomo e pesquisador do IDR-Paraná, Moacir Roberto Darolt, destaca que os agricultores familiares enfrentarão grandes desafios com as mudanças climáticas por dependerem diretamente dos recursos naturais e do clima para produzir, além de terem acesso limitado a tecnologias avançadas. “Essas alterações afetam não apenas a produção no campo, mas também a segurança alimentar nas cidades, que dependem da agricultura familiar. Por outro lado, há uma mobilização para fortalecer práticas sustentáveis, e a agroecologia já se mostra essencial para aumentar a resiliência dos sistemas produtivos”, afirma.

Estação de Pesquisa em Agroecologia: uma vitrine de práticas sustentáveis

Localizada em Pinhais, a Estação de Pesquisa em Agroecologia é a primeira estação de pesquisa certificada orgânica do Brasil. Os diversos experimentos agroecológicos conduzidos no local, por sua própria abordagem, fortalecem a resiliência dos sistemas produtivos às mudanças climáticas e fazem do sistema integrado um aliado da produção sustentável.

Entre as práticas desenvolvidas na estação para fortalecer essa resiliência e que podem ser adotadas pela agricultura orgânica ou convencional estão:

• Sistema de Plantio Direto de Hortaliças (SPDH) – Consiste em manter uma cobertura vegetal permanente sobre o solo (adubo verde) ou palhada, que protege contra a erosão, conserva a umidade, reduz a temperatura do solo e aumenta a matéria orgânica. Isso melhora a fertilidade e a vida microbiana.

• Compostagem – O processo transforma resíduos orgânicos, como restos de alimentos, poda e esterco de animais, em adubo natural. Atua melhorando a estrutura e a fertilidade do solo, promovendo um ciclo de nutrientes mais eficiente na propriedade.

• Adubação verde – Uso de plantas específicas, como leguminosas, para cobrir e melhorar o solo. Essas plantas fixam nitrogênio, aumentam a matéria orgânica e reduzem a compactação, tornando o solo mais fértil e protegido contra erosão.

• Bioinsumos – Insumos produzidos a partir de microrganismos benéficos, biofertilizantes e biofungicidas que reduzem a dependência de produtos químicos. Eles ajudam no controle de pragas e doenças, fortalecem as plantas e preservam a biodiversidade do solo.

• Sistema agroflorestal e silvipastoril – Integra árvores, culturas agrícolas e criação de animais em um mesmo espaço. Essa diversificação melhora a ciclagem de nutrientes, protege o solo contra erosão e proporciona maior bem-estar animal, além de gerar múltiplas fontes de renda para a propriedade.

• Variedades adaptadas ao clima – São cultivares desenvolvidas para resistir melhor a pragas, doenças e condições extremas, como seca. No caso do IDR-Paraná, há variedades de feijão por exemplo mais resilientes, que garantem maior segurança alimentar e menor risco de perdas para os agricultores.

• Quebra-ventos – Barreiras naturais feitas de bambu ou outras espécies vegetais para reduzir a força dos ventos. Além de proteger as culturas e construções, os quebra-ventos ajudam a manter a umidade do solo e trazem conforto térmico para os animais.

Neste cenário, o compromisso do IDR-Paraná com a agricultura é evidenciado. "A assistência técnica, a capacitação e a pesquisa são fundamentais. Outro ponto importante é o monitoramento climático, que pode ajudar os agricultores a se prepararem melhor para eventos extremos. Finalmente, é essencial orientar os produtores sobre as políticas públicas e programas que podem auxiliar na adaptação às mudanças climáticas", enfatiza Darolt.